“As coisas vulgares
que há na vida não deixam saudade, só as lembranças que doem ou fazem
sorrir
Há gente que fica na história, da história da
gente e outras de quem nem o nome lembramos ouvir
São emoções que dão vida à saudade que trago,
aquelas que tive contigo e acabei por perder
Há dias que marcam a alma e a vida da gente e
aquele em que tu me deixaste não posso esquecer”
Maria era uma
criança e como tal, ainda acreditava na simplicidade da vida e experimentava o
mundo de um modo inconsciente.
Ela era mesmo miúda no sentido literal da
palavra, pequena e franzina. De cabelo comprido e encaracolado em tons de castanho,
normalmente apresentava-o atado com uma espécie de "rabo de cavalo".
Relativamente à indumentária nada de especial
a destacar, utilizava vários estilos. A todos os níveis era notório o sentido
de procura, precisava de achar algo com que se identificasse, mas para que isso
sucedesse era indespensável que primeiro se encontrasse a si mesma.
A menina manifestava já alguma ansiedade e
começava a sentir com agudeza essa fatal necessidade da descoberta.
Com os seus tenros onze ou doze anos,
pressente que se avizinhavam tempos temerosos. A adolescência estava à porta,
mas a criança acomodada não autorizava a entrada de uma nova fase.
Como forma
de prevenção ou defesa, Maria decide iniciar um peculiar processo de observação
aos adultos. Não estava fácil encontrar a razão para querer vir a tornar-se num
deles.
Escassos seres lhe captavam uma atenção
especial, todavia, até essas criaturas escrupulosamente selecionadas revelavam
defeitos.
Pois é Maria! O ser humano contém imperfeições
e com o passar dos anos deixa de acreditar na felicidade como um todo, crê
apenas numa desfragmentada ventura, irrepetíveis e breves momentos em que se é
invadido por uma enorme sensação de bem-estar.
Possivelmente como consequência dessa
brincadeira de estudar comportamentos, ou talvez por obra do incógnito fado, é
imposta a presença de Francisca que iria acabar por ser a grande influência de Maria
não só naquele momento, mas para sempre. Surgia finalmente alguém com quem ela se
identificava e que em parte lhe ensinou e incutiu aquilo que necessitava para
poder brotar.
Maria começava a pensar, a sentir e a agir de
uma forma diferente. Aprendia muito através do que lhe era transmitido e seguia
à letra todos os ensinamentos.
Como havia a
miúda de pôr em causa alguma coisa, se tudo lhe parecia perfeito?!
Conhecera alguém possuidor de muitas
qualidades, era inteligente, interessante, criativa, expressiva, bonita, simpática,
alegre, extrovertida, sensível, bem-sucedida pessoal e profissionalmente. Por
vezes, era-lhe também característico um génio do tipo bipolar, porque também conseguia
ser fria, insensível, distante, distraída, esquecida, tímida, deprimida e
triste.
Todos estes adjetivos misturados resultariam talvez no segredo para uma
combinação tão irresistível.
O mais importante para esta criança era o
preenchimento interior que alcançara e que até à aparição desta amiga era como
que inatingível ou mesmo anónimo.
Mantinha algumas amizades com pessoas da
mesma geração, no entanto involuntariamente desvalorizava-as por sentir que das
mesmas não rececionava, o já encontrado efeito satisfatório. As relações com os
chamados adultos eram para si mais produtivas, julgava.
Ao longo do percurso de Maria, várias pessoas
irromperam. Uma quantidade indeterminada de sujeitos: os que meramente passaram
e os outros que acabaram por se alojar. Um de entre dois ou mais daqueles que
permaneceram, eram mais merecedores da admiração de Maria pelo que tinham já feito por
ela, mas incompreensívelmente nunca nenhum fora tão valorizado ou amado como
Francisca.
A ingenuidade da menina fazia com que
acreditasse que esse ente especial seria um alicerce ou um poste sustentador da
sua construção.
Contudo,
Francisca que até então tinha sido capaz do melhor, infelizmente tornar-se-ia
capaz do pior.
Maria cai de
forma desamparada quando percebe que os seus ideais são arrasados, não queria
acreditar que a tal construção acabaria por ruir, por se desmoronar de uma
forma tão violenta e possivelmente sem retorno.
(continua...)
Juliana Silva Casimiro